Sobre Meninos e Lobos

Sobre Meninos e Lobos (2003)

07/10/2003 Crime, Drama, Mistério, Thriller 2h 18min

77%

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Enterramos nossos pecados e os lavamos.

Sinopse

Três amigos de infância, Dave, Sean e Jimmy acabam se separando quando um deles, Dave, é sequestrado e sofre terríveis abusos sexuais. Agora adultos, o passado volta a assombrá-los quando a filha de Jimmy é assassinada. Sean é o policial que investiga o caso, Jimmy quer revanche e Dave é o principal suspeito.

Críticas
Filipe Manuel Neto

Filipe Manuel Neto

Escrita em 16 de Janeiro de 2022

**Um filme impecável, ainda que seja duro e difícil de ver.** Há amigos de infância que são inseparáveis e cuja amizade dura a vida inteira, mas eu penso que são excepções. A verdade, infelizmente, é que me parece difícil mantermos essas amizades por tantos anos. À medida que vamos mudando, que a vida nos vai modificando, vamos criando e construindo facetas da nossa personalidade que podem, ou não, combinar bem com os nossos amigos. Assim, os amigos acabam por se afastar por não se entenderem como dantes. Além disso, o próprio percurso de vida de cada um vai afastando e aproximando pessoas, e os amigos que a infância nos trouxe vão, provavelmente, seguir as suas vidas para longe de nós. Eu mesmo, recordando a minha infância, lembro com saudade os rostos daqueles amigos que nunca mais voltei a ver, e que seguiram as suas vidas por caminhos que nos afastaram. Só posso esperar, e desejar, que estejam bem, onde quer que a vida os tenha levado. A história aborda o percurso de vida de três crianças de Boston chamados Dave, Jimmy e Sean. As suas vidas são marcadas por um dia em que Dave é raptado e alvo de terríveis abusos sexuais. Anos depois, é a filha mais velha de Jimmy que aparece morta, após algumas horas desaparecida. A investigação, liderada por Sean, que se tornou polícia, vai incidir precisamente em Dave, que mantém uma atitude suspeita e parece ter algo a esconder. Mas Sean precisa apressar-se a descobrir a verdade, pois Jimmy está decidido a fazer justiça por mãos próprias. Este filme fala disso, de como a vida separa amizades, de como pequenos momentos podem ser determinantes. Coisas simples, como entrar para um carro onde nunca deveríamos ter entrado, ou esperar um dia antes de tomar uma atitude. A direcção meticulosa de Clint Eastwood une-se num casamento perfeito com o roteiro impecável de Helgeland e Lehane, para um filme que é verdadeiramente memorável. É um filme com temas difíceis, que nos fazem pensar. O tema da amizade, da forma como a vida nos molda e modifica, é para mim o centro do filme, embora passe discretamente sob outro tema, o dos abusos sexuais perpetrados por pedófilos. É um filme feito durante o escândalo de pedofilia que abalou Boston e a sua comunidade católica, portanto era um tema muito actual na época (ainda é, convenhamos). O filme conta com um elenco de luxo, que se entrega totalmente ao trabalho. Sean Penn faz um trabalho impecável, talvez um dos seus melhores trabalhos, tendo merecido com inteira justiça o Óscar de Melhor Actor, que conseguiu com esta interpretação. Igualmente impressionante, Tim Robbins dificilmente poderia ter feito melhor, conseguindo, também ele, o maior galardão da indústria cinematográfica. Kevin Bacon apresenta-se num registo muito mais contido e discreto, mas igualmente poderoso e eficaz. De referir, ainda, o trabalho impecável de Marcia Gay Harden e Laura Linney, e a excelente ajuda de Lawrence Fishburne. Pessoalmente, considero que os filmes de Eastwood não são dos mais notáveis nos aspectos mais técnicos. Ele é um director que sabe privilegiar a história contada, o trabalho dos actores e a criação de ambiente, de ‘suspense’, de tensão dramática. Porém, sendo meticuloso como é, não podemos deixar de estar atentos ao modo eficaz como usa a cinematografia e o trabalho de câmara para criar ambiente: aquela cena em que Dave é levado e vê os amigos ficarem para trás é simplesmente digna de antologia, e não precisamos de mais palavras para entender o que se vai seguir na vida daquela inocente personagem. Também o trabalho de edição e montagem foi feito de maneira impecável. Por fim, uma palavra para a banda sonora, que não sobressai ou fica no ouvido, mas é perfeita no afã de criar e trabalhar o ‘suspense’ e a tensão dramática.