Piaf: Um Hino ao Amor
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Piaf: Um Hino ao Amor (2007)

14/02/2007 Drama, Música 2h 20min

74%

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Sinopse

A vida de Edith Piaf foi sempre uma batalha. Abandonada pela mãe, foi criada pela avó, dona de um bordel na Normandia. Dos 3 aos 7 anos de idade fica cega, recuperando-se milagrosamente. Mais tarde vive com o pai alcoólatra, a quem abandona aos 15 anos para cantar nas ruas de Paris. Em 1935 é descoberta por um dono de boate e neste mesmo ano grava seu primeiro disco. A vida sofrida é coroada com o sucesso internacional. Fama, dinheiro, amizades, mas também a constante vigilância da opinião pública.

Críticas
Filipe Manuel Neto

Filipe Manuel Neto

Escrita em 12 de Dezembro de 2020

**Cotillard torna-se Piaf num filme que ignora ou suaviza boa parte da vida da cantora.** Edith Piaf é seguramente uma das vozes mais inconfundíveis da música do século XX e uma das cantoras mais bem-sucedidas e icónicas da música europeia. A sua vida, de facto, merecia uma adaptação a um filme, mas penso, após o que vi neste filme, que ele nos dá uma visão um tanto quanto branqueada e “santificada” da cantora. Consigo entender que a produção tenha desejado evitar criar polémicas, ou desagradar aos fãs da artista revelando momentos feios e controversos da vida de Piaf, mas acredito que teria sido ousado e interessante fazê-lo. De facto, e em desacordo com este filme, Edith Piaf teve uma vida cheia de momentos sombrios e dolorosos, que o filme opta por ignorar ou por relativizar. Ela nasceu numa área pobre de Paris, numa família desestruturada e com ligações ao Norte de África (a avó de Edith era berbere): a mãe dela era cantora de café, o pai dela era um acrobata e o casamento foi o pior que podia ser, com violência e traições mútuas. A separação levou a mãe de Piaf a tornar-se prostituta e deixar a filha com a avó materna, que era negligente, motivo que levou o pai a levar Piaf para viver no bordel onde a própria mãe trabalha enquanto ele mesmo vai servir na Primeira Guerra Mundial. Só em 1922 é que ele volta para a levar, introduzindo a filha na vida artística e tendo assim forte influência na sua vida. Foi a insistência do pai no casamento que fez Piaf afastar-se e emancipar-se, após várias brigas. Outra coisa que é surpreendentemente pouco falada no filme é a agitada vida amorosa de Piaf, que aos 17 anos foi viver com o namorado e foi mãe, fugindo quase em seguida pelas agressões de que era alvo e passando a viver escondida. Seguiu-se uma disputa no tribunal pela custódia da filha, que Piaf perdeu, tendo a sua filha morrido anos depois. Ferida, talvez mais do que podemos imaginar, Piaf nunca mais casou ou teve filhos, apesar de serem conhecidos os seus numerosos namorados e amantes. Ainda mais impressionante é o facto de o filme dar um “salto” no tempo entre 1938 e 1948, ignorando o que a cantora possa ter feito durante a Segunda Guerra Mundial e a invasão alemã de França. A omissão é tanto mais grave quanto o facto de ela ter tido uma actividade dúbia neste período, a par com uma fulgurante actividade artística, motivos pelos quais foi duramente criticada pelos franceses, chegando até a ser acusada de traição à pátria e de ter colaborado com os nazis. Piaf chegou a defender-se da acusação dizendo que efectivamente colaborou, mas com a Resistência Francesa. Será verdade? Sinceramente não sei e o filme preferiu esquecer o assunto. Mas, ainda que não queiramos ir por esse caminho, temos aqui uma artista que conheceu a fome, a miséria, a degradação social, a violência familiar e doméstica, a dor de perder um filho e de ter um mau relacionamento com o pai e a mãe. Uma vida de lágrimas e sombras que o filme aproveitou muito mal. Apesar disto, temos de admirar a extraordinária capacidade artística de Marion Cotillard, que se soube verdadeiramente transformar e encarnar Piaf. A actriz é relativamente desconhecida fora do meio francófono e tem feito uma carreira sólida, mas discreta. No entanto, esteve arrasadora neste filme e mereceu com toda a justiça o Óscar de Melhor Actriz que lhe foi dado nesse ano pela Academia de Hollywood. O filme conta ainda com a participação discreta, mas eficaz, de Gerard Depardieu, Emanuelle Seigner, Clotilde Courau e Pascal Greggory. Apesar disso, não me senti envolvido. Há algo que falha redondamente neste filme, e que eu penso ser a inabilidade de Olivier Dahan (director e roteirista) para criar uma empatia forte entre a personagem principal e o público. Penso que ele se encostou à sombra da solidez institucional de Piaf e adormeceu, isto é, fez o filme para franceses e para os fãs de Piaf, e não teve em contra outros públicos para quem a cantora pouco significa, mas que poderiam querer ver o filme na mesma. Tecnicamente, foi um filme que cumpriu o que precisava cumprir, mas sem grande brilho. Falta energia e carisma, o que se reflecte numa cinematografia enfadonha e numa duração excessiva de duas horas e meia, em que o filme se arrasta de uma forma quase injustificável. Os cenários são excelentes, assim como os figurinos e maquilhagem (o filme ganhou também o Óscar de Melhor Maquilhagem, o que quer dizer algo) que, com os seus esforços, ajudaram a actriz Cotillard a parecer-se o mais possível com a verdadeira cantora. A banda sonora, como não podia deixar de ser, assenta solidamente em várias canções de Piaf e temas de acordeão.