Filipe Manuel Neto
Escrita em 17 de Novembro de 2022
**Um filme marcante, culturalmente relevante e indiscutivelmente importante.**
Não é muito raro verificarmos que a carreira de um actor, por mais prolífico que seja, acaba por ser especialmente recordada graças à sua participação num pequeníssimo conjunto de filmes, ou até mesmo pela sua participação num só filme. Não vejo isso como um demérito, mas como algo incontornável: só um conjunto muito restrito de filmes é que acaba por sobreviver ao teste do tempo e tornar-se culturalmente e historicamente relevante. Gregory Peck foi um actor com grande importância no seu tempo, um dos rostos da honradez e da lisura, posto que fazia quase sempre personagens imbuídas de grande carácter e nobreza de intenções. Como tal, teve lugar num largo leque de filmes… mas sejamos sinceros, é com este filme que o actor atinge o ápice da sua carreira e é, aqui também, que alcança o maior reconhecimento e relevância como actor.
O filme traz para a tela o grande romance, levemente autobiográfico, de Harper Lee. Fortemente inspirada na figura do seu pai, e em passagens da sua infância, a autora idealizou uma história em que um advogado honesto e empenhado luta para defender um presidiário negro, convicto da inocência dele perante acusações de violação e agressão de uma menor branca. Claro, tudo se passa no Sul dos EUA, onde o preconceito racial é forte, como todos sabem. Em meio a tudo isto, desenvolve-se também uma sub-trama envolvendo um vizinho recluso, mentalmente débil, o qual desenvolve uma simpatia pela filha do advogado.
Principio por dizer que nunca li o livro original, pelo que não sei bem se o filme faz justiça ao seu conteúdo. Porém, ao preparar este texto, depreendi que a escritora assistiu a algumas filmagens a convite da produção e terá participado dos trabalhos com a sua colaboração, o que me deixa com a convicção de que o filme procurou respeitar a obra literária. Dirigido por Robert Mulligan, o filme é um drama bastante convincente, mas que demora um pouco a engrenar e a cativar a nossa atenção, a qual é inicialmente convidada a concentrar-se nas crianças, na forma como se comportam e interagem com o mundo ao seu redor. Será, de resto, pelo olhar de uma delas, que iremos observar os acontecimentos.
Como eu disse, é neste filme que Gregory Peck alcança o ponto mais alto da sua carreira, dando-nos uma interpretação inspirada, profunda e emotiva da personagem principal. Ele foi um dos actores mais relevantes do seu tempo e há uma série de outros filmes onde ele brilha e merece um olhar atento da nossa parte, mas é aqui que ele se imortaliza. Sem coincidências, é aqui que o actor recebe o seu Óscar de Melhor Actor, após ter sido nomeado quatro vezes. Apesar de ser muito jovem, também vale a pena destacar a performance de Mary Badham e uma aparição silenciosa de um jovem Robert Duvall.
Tecnicamente, o filme é bastante discreto e dá bastante espaço para o público se concentrar na história que está a ser contada. Não há aqui grandes artifícios visuais, não há efeitos dignos de nota, mas temos uma excelente cinematografia a preto-e-branco com notas artísticas pontuais e um bom trabalho de filmagem. A edição foi igualmente muito bem conseguida, e imprimiu ao filme um ritmo bastante agradável. Demora um pouco a realmente tornar-se interessante, mas se dermos ao filme a oportunidade que ele requer, ele irá dar-nos uma história agradável, que vamos acompanhar com agrado até ao fim. A banda sonora também merece um louvor pela sua ingenuidade aparente, bem como os créditos iniciais e a sua concepção, gráfica e visual.