O Segredo de Vera Drake

O Segredo de Vera Drake (2004)

22/10/2004 Drama 2h 4min

72%

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Sinopse

Londres, 1950. Vera Drake (Imelda Staunton) mora com seu marido Stan (Philip Davis) e seus filhos já crescidos, Sid (Daniel Mays) e Ethel (Alex Kelly). Eles não são ricos, mas formam uma família feliz e unida. Vera trabalha como faxineira e Stan é mecânico na oficina de seu irmão. Porém, Vera mantém uma atividade paralela que esconde do resto da família: sem aceitar pagamento, ajuda jovens mulheres a abortarem. Quando uma dessas garotas precisa seguir para o hospital, a polícia começa uma investigação que faz o mundo de Vera desabar.

Críticas
Filipe Manuel Neto

Filipe Manuel Neto

Escrita em 24 de Julho de 2021

**Imelda Staunton no seu melhor, num filme que promete menos do que oferece.** Este filme deu-me muito mais prazer do que eu esperava. Sendo o aborto um tema difícil, até polémico, eu estava a espera de encontrar um filme algo militante e fortemente politizado, em que eu iria provavelmente perder o interesse muito rapidamente, dado que já tenho as minhas ideias acerca desse tema relativamente definidas. Mas não foi o que aconteceu: este filme vai pegar no tema por outro caminho, dando à personagem principal uma candura e ingenuidade que dificilmente se casam com qualquer intenção de doutrinação subjectiva. Tudo se passa durante os anos 50, quando a Grã-Bretanha ainda era um país conservador com uma série de leis e regulamentos fortemente restritivos em vários aspectos da vida e da moral. Vera Drake é uma mulher popular, comum, que dirige a sua casa, cozinha, faz as compras para a família e cuida dos seus filhos e marido com todo o carinho que pode. Ela podia ser a mãe ou a avó de qualquer um de nós! Mas ela faz uma coisa que ninguém sabe: ela “ajuda mulheres” a abortarem quando se vêm grávidas sem o terem desejado (por não quererem o escândalo de uma gravidez precoce, ou antes do casamento, por terem sido violadas ou apenas por terem já filhos de sobra). Ela faz isso de graça, nunca cobrou para o fazer, não procura publicidade e faz as coisas discretamente, movida pelo dever de ajudar quem está em situação desesperada. No entanto, ela pratica um crime, aos olhos da sociedade e da rígida moral britânica. Por isso, ela é incomodada pelas autoridades após uma das suas “pacientes” ser internada no hospital, com complicações graves derivadas do procedimento dela. Se eu quisesse, eu tinha material suficiente com este filme para uma longa discussão em redor do tema do aborto. Mas sendo um tema complexo, fracturante e polémico, e que é discutido na praça pública com tanta regularidade, vou-me furtar a essa discussão, que sinto não ter o seu lugar devido aqui. O que nos interessa é o filme. A história contada é muito simples, sem artifícios e por vezes soa improvisada, mas dá a cada personagem o tempo necessário para se desenvolver. O ponto forte do filme é a concepção da personagem principal, muito palatável e simpática. Mesmo aqueles que discordam da maneira de pensar e agir de Vera Drake não vão ser capazes de sentir um certo carinho por ela, pela sua ingenuidade e bondade inata. Não sei se foi algo intencional, mas tenho pena que o roteiro tenha tão pouca história para contar. Outro ponto forte do filme é o peso e qualidade do elenco, e do seu trabalho. Imelda Staunton é uma actriz que o grande público conhecerá pela curta, mas marcante, partipação na saga dos filmes *Harry Potter*, mas este é, sem dúvida, o melhor trabalho cinematográfico da actriz até à data. Ela é fenomenal aqui, deu-se inteiramente a este trabalho e é o desempenho dela que dá vida e corpo ao filme inteiro. Há algumas cenas incríveis, mas eu recordo especialmente o close-up do seu rosto quando a polícia aparece, e o seu rosto alegre, gradualmente, começa a demonstrar seriedade, depois preocupação, medo e verdadeira angústia. Aliás, a cena em que a polícia aparece para a prender é, de longe, o momento mais tenso e dramático do filme. Ao lado de Staunton, temos ainda grandes actores como Jim Broadbent, Richard Graham, Eddie Marsan, Alex Kelly, Daniel Mays ou Phil Davis. Todos fizeram um trabalho muito bom. Tecnicamente, é um filme discreto. Foi dirigido por Mike Leigh, que teve de jogar com poucos recursos e um orçamento muito baixo. Talvez isso explique por que razão os cenários, apesar de muito bem concebidos, parecem tão claustrofóbicos, em particular a casa de Vera Drake, na qual todos parecem amontoar-se uns nos outros para jantar. O uso de mobiliário e adereços de época foi bem conseguido e tudo tem um toque de realismo bem conseguido. Um detalhe que me impressionou foi a cobertura do bule de chá, feita de lã tricotada como um gorro. Não há, virtualmente, banda sonora, dada a pequenez do orçamento, mas o filme funciona assim, e a cinematografia enevoada e algo sombria dá ao filme um aspecto mais datado.