Belas Artes à La Carte
Looke
Matar ou Morrer (1952)
Simples. Poderoso. Inesquecível.
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 10 de Fevereiro de 2024**Quando um filme se transforma num manifesto de descontentamento político.** Regra geral, estamos habituados a ver filmes western extremamente viris, cheios de força masculina e orgulho patriótico americano. E de facto o “cowboy” é um símbolo da força e persistência norte-americana: é um solitário, individualista, independente, que enfrenta as situações mais árduas com tenacidade e engenho. Porém, este filme é bem mais triste e até sombrio: perante a chegada de um temível bandido, disposto a vingar-se de ter sido preso, o xerife de um vilarejo do Oeste Selvagem, que está para ser rendido no seu posto após alguns anos de muito bons e abnegados serviços à comunidade, pede ajuda a toda a gente e todos o abandonam à sua sorte, até se riem dele! A certo ponto, até a sua esposa, a pessoa que mais lhe importa proteger, parece disposta a deixá-lo só diante do perigo. É sombrio o suficiente? Para entender esta visão amargurada precisamos voltar atrás no tempo e revisitar todo o processo criativo que levou à concepção do filme. Em 1952, os EUA estão longe de ser um país calmo: enquanto a maioria das pessoas receava a expansão da ameaça soviética no mundo, o senador McCarthy liderava uma verdadeira “caça ao comuna” no aparelho de Estado e na vida cultural e social, ao abrigo de alegadas actividades antiamericanas de membros e simpatizantes do Partido Comunista. As inquirições públicas e saneamentos deram a este período da história dos EUA a aparência de uma autêntica ditadura fascista e arruinaram vidas e carreiras de pessoas que, por vezes, pouco ou nada tinham a ver com o comunismo. Não é coincidência que Carl Foreman, roteirista do filme e um dos visados nesta purga, tenha impregnado este filme de tanto desencanto. Através do abandono de um homem justo e honesto, ele expressou bem o rancor e desalento de uma larga fatia de actores e profissionais de cinema que, de repente, se viam interrogados, devassados e por vezes ostracizados. Sob esse prisma, este filme é um verdadeiro manifesto, merecendo o seu lugar na lista dos filmes historicamente relevantes da história americana. O filme é curto, conciso e bastante pragmático na sua produção. Os cenários e figurinos, os efeitos e a recriação da época, tudo obedece a critérios práticos e funcionais que fazem funcionar sem procurar surpreender. A cinematografia, a preto-e-branco, é muito boa e a cena da chegada do comboio, bem como a luta final, são particularmente memoráveis. A banda sonora é marcada por um tema cantado que se tornou muito famoso, mas que eu não pude deixar de considerar excessivamente intrusivo e chato a partir de certo ponto. A somar a isto temos uma direcção eficaz de Fred Zinnemann e um elenco fortíssimo, com nomes tão sólidos como o veterano Gary Cooper, a elegante Grace Kelly e o competente Lloyd Bridges. Cada um faz o seu trabalho com esmero, mas Cooper merece uma ovação especial pela forma como deu vida a um herói que é tão humano, vulnerável e comum quanto qualquer homem. Gostei ainda de ver a digna Katy Jurado num papel muito forte.