Pedro Quintão
Escrita em 12 de Novembro de 2025
Há algo de curioso neste Frankenstein de Guillermo del Toro: é tecnicamente brutal, visualmente fascinante e interpretado por um elenco de luxo, mas falta-lhe a alma que carateriza os filmes do Guillermo del Toro durante boa parte do percurso. Dizer que é um mau filme seria injusto, até porque está claramente acima da média do que a Netflix costuma lançar, mas é talvez um dos trabalhos mais desequilibrados do realizador.
A estrutura dividida em duas perspetivas: a de Victor Frankenstein (Oscar Isaac) e a da criatura (Jacob Elordi) acaba por funcionar como um espelho da própria experiência de ver o filme: uma primeira parte fria e distante, e uma segunda muito mais emocional e rica. A narrativa centrada em Victor Frankenstein nunca chega a envolver. Falta-lhe algo, pareceu-me em alguns momentos, apressada e até superficial na forma como o realizador conduz as relações, sobretudo entre a criatura e a personagem de Mia Goth, que nunca parecem partilhar uma química real, para além da conexão da personagem de Mia ao "monstro" não ser convincente. A escrita, em certos momentos, dá a sensação de bloqueio, como se del Toro, desta vez, não conseguisse entrar na pele das suas próprias criações.
Mas tudo muda quando a história passa para o ponto de vista do “monstro”. Aqui, sim, surge o del Toro que conhecemos: temos uma visão mais ternurenta e melancólica, que capta a beleza no surreal. Jacob Elordi surpreende através da vulnerabilidade do seu personagem, e a sua ligação ao velho cego é das cenas mais belas e tocantes do filme. É nestes momentos que sentimos o coração da obra, tarde demais, mas ainda com força suficiente para nos marcar.
Visualmente, o filme é brutal, como já é habitual nos trabalhos de del Toro. A direção de fotografia é deslumbrante, a arte e os efeitos práticos tudo está excelente. Mesmo assim, a sensação final é ambígua: há cenas que parecem arrastadas e outras que terminam demasiado depressa, como se o realizador não tivesse decidido quanto tempo queria realmente passar com estas personagens.
Frankenstein é um bom filme dentro da sua irregularidade. Fascina pelo talento envolvido e pela beleza que consegue atingir nos seus melhores momentos, mas para mim, demonstrou que o verdadeiro “monstro” aqui possa ser a ausência de alma numa história que pedia precisamente isso... Mas será que isso não será culpa das possíveis imposições da Netflix?