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Era Uma Vez na América (1984)
Crime, paixão e desejo de poder.
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 10 de Outubro de 2022**É um filme excelente, que prova a importância de uma boa pós-produção, e o quanto uma má edição pode arruinar todo o trabalho.** Há certos filmes que nos impressionam tanto quando os vemos que ficamos realmente muito admirados quando descobrimos quão ignorados foram pelos grandes prémios cinematográficos. Este filme é um deles: fiquei realmente surpreendido ao descobrir que nem sequer foi alvo de nomeação para os Óscares ou Globos de Ouro… e tive de ler um pouco para compreender por que razão isso aconteceu. O filme é talvez um dos melhores da extensa filmografia de Sérgio Leone, e é frequentemente comparado com outros grandes filmes de gângsteres, como “O Padrinho”. Eu, pessoalmente, já não me atreveria a tanto, mas ainda poderia colocar este filme num “top ten” dos grandes filmes de mafiosos. Por incrível que pareça, foi um enorme fracasso de bilheteiras nos EUA porque lá insistiram em lançar uma versão extremamente cortada, com cerca de duas horas e meia. Uma versão tão esquecível e mal editada que ninguém entendeu a história e que arredou o filme de qualquer hipótese de concorrer aos prémios mais altos da indústria! Foi um tiro nos pés e prova a importância de uma boa edição para a qualidade do produto. Por vezes, é preferível um filme mais longo do que uma versão resumida estéril. O roteiro é maravilhoso e acompanha o percurso criminal de um pequeno grupo de jovens de uma comunidade judaica de Nova Iorque, estendendo-se, sensivelmente, dos anos 20 aos anos 60. A história gira em torno de Noodles, mas a personagem principal acaba sendo Max, que se torna o chefe do gangue. A relação entre eles é muito bem explorada. Todavia, nem tudo correu bem: há uma sub-trama amorosa entre Noodles e Deborah que nunca é levada mais adiante, há várias personagens que parecem demasiado esboçadas e subdesenvolvidas e há situações que o filme não sabe explorar como devia (sendo a mais gritante a morte violenta do membro mais jovem do gangue). Eu só não sei dizer quantos destes problemas não terão começado na sala de edição, com cortes radicais na história contada. Robert DeNiro foi um dos primeiros nomes a ser contratado para o elenco e teve uma palavra a dizer na escolha de vários outros actores. DeNiro é impecável, e brinda-nos com um trabalho de excelente qualidade. De resto, penso que isso ajudou a colar um pouco a imagem do actor aos filmes de criminosos no imaginário popular, juntamente com “Taxi Driver” e “Tudo Bons Rapazes”. James Woods também é incrível no papel que recebeu e deixa com este filme o seu maior trabalho de cinema. Elizabeth McGovern também se sai muito bem aqui, embora eu sinta que a actriz não foi capaz de fazer a sua carreira descolar depois (eu só a vi fazer realmente sucesso agora, com “Downton Abbey”). Também gostei da breve, mas marcante, participação de Jennifer Connelly, ainda muito jovem. E tenho pena por Joe Pesci, porque o actor é desperdiçado ao aparecer só num par de cenas (talvez outra vítima dos cortes radicais na sala de edição). Leone usa tudo o que sabe neste filme e brinda-nos com uma cinematografia incrível, linda, que sabe aproveitar os movimentos lentos da câmara, os close-ups nas cenas mais marcantes e as cores intensas. Os flashbacks são bastante bem marcados e qualquer pessoa familiarizada com o recurso cinematográfico não terá dificuldades em acompanhar os avanços e recuos temporais que vão acontecendo. Os efeitos especiais fazem bem o seu papel, os figurinos são excelentes e a caracterização tem os seus momentos (DeNiro foi magistralmente envelhecido, e assemelha-se muito ao que é hoje). Sendo um filme onde o crime e a violência são coisas que nós esperamos encontrar, temos uma panóplia de cenas violentas e situações bastante gráficas que incluem não só assassinatos brutais, espancamentos e tiroteios como também sexo entre adolescentes, voyerismo e, mais notavelmente, uma longa e particularmente gráfica cena de violação. Não é um filme próprio para cardíacos. Uma palavra final para a banda sonora, de Ennio Morricone. É muito considerada pelos apreciadores e eu reconheço que funciona, mas não sou fã da flauta de pan. Sinto que dá ao filme um toque oriental, seria algo que eu esperaria mais de uma banda sonora de um filme de artes marciais.