Max
De Olhos Bem Fechados (1999)
Sinopse
Frederic Raphael
RoteiristaJan Harlan
Produtor ExecutivoFilipe Manuel Neto
Escrita em 31 de Agosto de 2022**Não importa se é o melhor ou o pior de Stanley Kubrick. É um filme que nos faz pensar.** Stanley Kubrick é um daqueles cineastas que não se preocupou rigorosamente em fazer muitos filmes. Ao longo da sua carreira de quarenta anos, só fez treze longas-metragens. Muito pouco... Todavia, se observarmos bem, quase todos eles são familiares e entraram de imediato para o panteão do cinema. Não são filmes perfeitos, nem Kubrick era perfeito por mais metódico que fosse, e há filmes dele que são intragáveis (eu já escrevi isso nalguns deles). Mas cada um deles, pelos seus motivos, é uma obra própria, diferente. Neste filme, ele faz um estudo de caso em torno do desejo, da sexualidade e da forma como nós, individualmente ou em casal, lidamos com isso. O roteiro acompanha um médico e a sua esposa. Um casal aparentemente feliz, mas que, depois de uma festa onde ambos flertaram com terceiros (sem consequências), tem uma briga onde ela, talvez para lhe retirar a sua autoconfiança, confessa ter tido vontade de ter outro homem, tempos atrás. A revelação deixa o médico sem palavras. Nessa noite, ele parece não saber bem o que quer: ele deseja as outras mulheres, mas recusa os avanços delas. Mas quando um amigo pianista lhe fala numa festa estranha, cheia de beldades, onde tem de tocar de olhos vendados, ele quer ver aquilo de perto. Sim, a festa era uma gigantesca orgia chique, com toques de ritual religioso profano a acentuar a sensação de pecado e luxuria. Claro, o incauto acaba descoberto e desmascarado… e a partir daí, o filme torna-se mais denso, com a personagem cada vez mais receosa do que lhe pode acontecer. O filme faz-nos pensar muito acerca da sexualidade, da monogamia, da importância que damos à fidelidade conjugal. Eu não sei como era em 1999, mas hoje é comum ver casais em relação aberta, ou saunas e clubes de swing, relativamente discretos, que dão festas liberais com certa regularidade. Há ainda um universo aparte – festas privadas, organizadas pelas redes sociais e só para convidados – e é verdade que os ricos e famosos são muito mais exigentes com a reserva da sua intimidade, principalmente quando fazem malandrices. Mas o que o filme nos propõe é, não tanto a recusa da monogamia, mas que pensemos na forma como abdicamos de todos os outros parceiros sexuais quando realmente nos apaixonamos. A noção de sacrifício pessoal vai passando por todo o filme (uma mulher que abdica de uma fantasia erótica por amor, outra que se propõe para morrer a fim de salvar um inocente, um homem que recusa sexo porque é casado) e indica-nos que os melhores elos que criamos na vida implicam escolhas e sacrifícios em troca de algo maior. De facto, para se ser feliz num casamento, é preciso estar de olhos bem fechados às tentações. Com uma história muito boa e bem escrita, o filme desenvolve muito bem as personagens e permite que as conheçamos. Para isso, o filme não se importa de assumir um ritmo mais lento que pode deixar alguns públicos exasperados. Determinante foi a escolha de Tom Cruise e Nicole Kidman para os papéis principais. Na época, eles eram o casal bonito de Hollywood, e não há dúvida que Kubrick soube explorar a enorme química pessoal e íntima deles, transportando-a para as personagens e para o filme. De facto, este pode nem ser o melhor filme de Kubrick (isso é relativo!) mas, para mim, é o melhor filme de Cruise até ao presente. Tecnicamente, o filme tem muitos pontos positivos. Kubrick dava uma atenção quase maníaca aos detalhes e levava o seu tempo a filmar. E podemos ver como cada cena foi filmada de modo detalhista, com a câmara a mover-se de modo preciso, cortes feitos cirurgicamente, cenas muito longas e muito bem editadas, aproveitando a excelente cinematografia e cenários (onde, claro, a mansão da festa se destaca). Mais importante ainda é a forma como o director conseguiu trabalhar com o ambiente e a tensão, crescente e quase palpável. Há muita nudez neste filme, incluindo nudez frontal (a própria Kidman fez cenas em que está praticamente nua) e algumas cenas de sexo que, não sendo explicito, é muito visual. Mesmo assim, o filme não é, por incrível que pareça, muito erótico. Acho que o director não quis que o sexo nos distraísse ou cortasse essa tensão que ele procurou. Quanto ao som e à banda sonora, acho que cumpre bem o seu papel, mas não a achei particularmente notável.