Filipe Manuel Neto
Escrita em 8 de Setembro de 2022
**Um filme realmente muito bom, que só perde em alguns detalhes.**
Este não foi o primeiro filme de guerra dirigido por Mel Gibson. Ele já anteriormente fizera pelo menos um filme com temas militares, _Fomos Soldados_, ambientado no Vietname. Porém, é um filme que aborda temas muito mais humanos e intimistas, na minha opinião, ao acompanhar a família Doss, uma família da Virgínia rural, e a trajectória de um dos seus filhos, Desmond.
Filho de uma mãe extraordinariamente devota, criado como adventista, Desmond aprende ainda em criança a renegar a violência (o filme mostra uma briga entre irmãos que poderia ter acabado muito mal, mas na vida real foi uma briga entre o pai de Desmond e o cunhado dele) e a seguir estritamente a sua fé e as regras da sua religião. Quando os EUA se juntam aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, os dois irmãos resolvem alistar-se, mas Desmond faz questão de o fazer nos seus próprios termos, isto é, como socorrista de combate, dispensado do uso e porte de qualquer arma. Claro, os militares americanos não vão encarar isso da melhor forma.
O filme expõe-se de modo algo demorado e capta muito bem a nossa simpatia, mas apesar de muitas pessoas se queixarem de que a primeira parte do filme é lenta e cansativa, senti mais isso nas prolongadas cenas de combate, apesar de compreender o que levou Gibson a detalhá-las tão exaustivamente. Ainda assim, é necessário que sejamos francos: são excelentes cenas de batalha, com detalhes ricos e um grau de crueza muito acentuado. Infelizmente, os diálogos não são muito bons, soam um pouco cliché, e é irritante ver isso num filme com tantas qualidades. O filme também faz esforços para criar um sub-enredo romântico em torno da primeira mulher de Desmond, mas as coisas não correm bem, e o material é francamente pobre.
Em geral, Gibson dá-nos um bom trabalho de direcção, ainda que isso não seja surpresa para o observador mais atento. Ele já conta com uma série de êxitos de bilheteira no seu palmarés e, em conjunto com Clint Eastwood e Bradley Cooper, é um dos actores que mais gosto de ver na cadeira de direcção. Nunca considerei muito o valor de nenhum dos actores envolvidos neste projecto. Alguns, eu simplesmente nem conheço muito bem. Andrew Garfield é um exemplo: eu vi-o noutros trabalhos, mas o actor nunca me convenceu totalmente, pelo que fiquei muito bem impressionado com o trabalho dele aqui. Sam Worthington também me deixou muito bem impressionado, ainda que seja um actor que eu reconheço mais facilmente e que já vi trabalhar bem noutros filmes. Hugo Weaving é excelente e Vince Vaughn também merece um louvor. Só Teresa Palmer é que parece ter mais dificuldade em desembaraçar-se do trabalho em mãos, talvez devido ao material fraco recebido.
Tecnicamente, o filme tem muitas coisas boas para observarmos com atenção, começando pela forma razoavelmente rigorosa com que Gibson procura reencenar os combates e o ambiente da guerra, no campo de recruta e, logo depois, no terreno de operações. Ao contrário de diversos filmes do seu passado, onde o director atropelou a verdade histórica, ele parece fazer esforços sinceros para a respeitar aqui. Os efeitos visuais e especiais são realmente muito bons, e o CGI utilizado é verdadeiramente excelente e dá ao filme um realismo notável, principalmente nas cenas de combate. Os cenários são interessantes e os figurinos também. Gostei especialmente da farda antiga que Weaving enverga numa breve cena, dada a diferença com os uniformes em uso na época. A cinematografia aproveita tudo isto e mais um pouco, e a câmara movimenta-se de modo inteligente, colocando-nos no combate, levando-nos a sofrer com aqueles soldados, e a sentir o que eles sentiam, o que a banda sonora de Gregson-Williams acentua mais ainda.