Amadeus (1984)
O Homem... O Músico... O Gênio...
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 8 de Maio de 2022**Um filme magnífico, mas absolutamente ficcional e quase um insulto a Mozart e a Salieri.** Após ver este filme, a minha mente divide-se muito e eu fico sem saber realmente como hei-de o julgar. É impossível negar a enorme qualidade do trabalho de Milos Forman, o filme é mesmo muito bom e quase obrigatório para os fãs de música clássica. Todavia, não podemos esquecer-nos de que é apenas um filme, e que é largamente baseado numa peça da Broadway, e não na vida real de Wolfgang Amadeus Mozart. Com efeito, as peripécias e figuras históricas não foram retractadas com justiça, e o filme funciona como um insulto à memória de Mozart e Salieri. De facto, um dos pontos mais fracos — senão o mais fraco — do filme é o roteiro parcial, cheio de inverdades, baseado na peça dramática de Peter Shaffer. Aqui vemos Salieri, consumido pelos remorsos e convencido de que matou Mozart, relatar a sua vida e a sua convivência com o génio. Vemos Mozart pelos seus olhos, como um homúnculo desprezível e mulherengo a quem Deus, injustamente, dotou de uma genialidade e vocação musicais que Salieri invejava. O roteiro, em contraponto, transforma o mestre italiano num fanático beato, de talento discutível, sem moral ou carácter, não obstante ter atingido os píncaros da realização pessoal graças a um soberano melómano, numa corte dominada por músicos e gostos italianos. Como é fácil de ver, o filme exagera e inventa imenso acerca das personagens, fruto do grande desconhecimento que temos acerca delas. De facto, não sabemos muito acerca de como era Mozart na intimidade, e muito do que sabemos vem de fontes discutíveis. Salieri também é uma personagem sobejamente desconhecida, sendo que, ironicamente, o filme ajudou a despertar o interesse pela sua música. Não tenho nada contra a liberdade criativa dos argumentistas ou a necessidade de preencher lacunas na informação… o que realmente me parece errado é que tais lacunas tenham permitido aquilo que, se Salieri e Mozart ainda estivessem vivos, seria de certeza considerado uma gigantesca difamação e ofensa ao bom nome de ambos. Sendo eu um historiador, isto é algo que eu, simplesmente, não posso aceitar nem desculpar. Acerca do elenco, posso dizer que gostei muito das performances de F. Murray Abraham e de Tom Hulce. Ambos foram verdadeiramente bons, encheram as suas personagens de carisma e de força, ensombrando o restante elenco e dando força à história. Também Elizabeth Berridge e Roy Dotrice merecem um louvor pelo trabalho feito, tendo sido os dois únicos actores que conseguiram sobressair e sair dessa penumbra onde o elenco ficou mergulhado graças aos dois protagonistas. Mas é a nível técnico que o filme se destaca de maneira mais notória: a cinematografia é linda e a forma como o filme capta e aproveita a luz é verdadeiramente impressionante, e mais ainda se considerarmos que foram feitos esforços para não usar iluminação artificial. Isto é, quase só observamos a luz solar e a luz das velas. Notável! Também os figurinos foram muito bem executados e estão cheios de pormenores, ainda que eu possa considerar haver alguns erros e omissões e que tudo foi pensado mais do ponto de vista da estética do que do rigor histórico. Quanto aos cenários, eu não tenho rigorosamente nada a apontar. A escolha de Praga como alternativa para Viena foi muito inteligente e grande parte do filme foi filmada em vários locais incríveis, dando ao filme um toque adicional de verosimilhança e realismo. E claro, sendo um filme acerca de um compositor tão genial como Mozart, a banda sonora só podia ser dele. O filme venceu oito Óscares. É algo impressionante e que julgo que não se irá ver tão cedo nos prémios da Academia de Hollywood: Melhor Filme, Melhor Actor, Melhor Director, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direcção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Som e Melhor Maquilhagem. Venceu igualmente quatro Globos de Ouro (Melhor Filme Dramático, Melhor Roteiro de Cinema, Melhor Actor de Cinema Dramático, Melhor Director de Cinema) e quatro BAFTA em categorias técnicas (Melhor Som, Melhor Maquilhagem, Melhor Edição e Melhor Cinematografia). É um palmarés invejável. Só lamento que o filme não seja antecedido de uma nota de aviso informando que a história contada é ficcional, ainda que as personagens não o sejam.