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A Outra História Americana (1998)
Unidos pelo ódio, divididos pela verdade. Alguns legados devem chegar ao fim.
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 11 de Agosto de 2021**No geral, e relevadas as suas fraquezas de roteiro e direcção, é um filme muito bom.** Gostei muito deste filme. Lançado em 1998, continua extremamente actual e pertinente hoje, em meio a um mundo onde o ódio e a intolerância parecem ter-se instalado para ficar. Não falo apenas dos nazistas, mas de tantos outros que se odeiam mutuamente pelas mais diversas e, não raras vezes, mais idióticas razões. O filme segue o percurso de dois irmãos no mundo dos neonazis: Derek, o mais velho, chegou a ser o líder do gangue local, formada para resistir ao que eles consideravam como sendo uma invasão do seu bairro por negros, latinos e outras raças. Acontece que ele acabou por matar, a sangue-frio, dois negros, sendo preso por isso, deixando o seu irmão mais novo, Danny, perdido e confuso. Quando sai da prisão, descobre que o irmão seguiu as suas pisadas e está agora a ser doutrinado para se tornar igual a ele, chegando a escrever uma redacção carregada de doutrina neonazi para um professor negro da escola dele… mas a prisão muda as pessoas, e Derek não segue mais aquelas ideias. Por isso, decide colaborar com o professor e as autoridades, e tentar impedir que o irmão se torne numa pessoa tão violenta e nociva quanto ele. Dirigido por Tony Kaye, o filme foi produzido sob o signo da discórdia, com brigas constantes em que o director se opunha às revisões e alterações exigidas pelos actores ao seu material e ideias. As coisas chegaram ao ponto de o director querer desistir, e ver o nome removido dos créditos! Pessoalmente, e após ver o filme, sinto que a direcção não é segura e o filme parece não saber para aonde ir, por vezes. O roteiro, por seu turno, traz-nos um drama familiar poderoso e aborda temas duros, pertinentes e actuais, como a desestruturação da família, das comunidades locais de bairro, da imigração ilegal, do ódio entre raças e religiões. O roteiro consegue inclusivamente evitar retractar os neonazis de modo simplista e unidimensional, como bestas fanatizadas e sem qualquer humanidade, como outros filmes teriam feito. Mesmo assim, é uma narrativa simples, por vezes simplória e pouco desenvolvida, em que os detalhes por vezes soam inverosímeis. Um dos pontos menos desenvolvidos e mais importantes do filme é a história de Derek na prisão: é inconcebível que um individuo tão doutrinado e fanatizado mude radicalmente com tão pouco. O elenco é muito bom e, sem dúvida, um dos pontos fortes do filme. Edward Norton provou ter feito a escolha certa quando decidiu protagonizar este filme ao invés de ser só mais um actor em *O Resgate do Soldado Ryan*. O filme é perfeito para ele, e as alterações que o próprio foi fazendo ao material que recebia permitiram-lhe aprimorar a personagem, limar arestas e tornar o fruto do seu trabalho ainda mais maduro e sumarento. O actor é excepcionalmente bom, já o disse em outras ocasiões, e este filme mostra, mais uma vez, o seu talento. Ao seu lado está Edward Furlong, um jovem e promissor actor que, como sabemos, nunca descolou. Ele é bom, e mostra-nos isso, mesmo num filme em que a personagem é relativamente secundária na trama. Stacy Keach aparece pouco, mas consegue parecer ameaçador e subversivo. Beverly D’Angelo é boa, mas recebeu uma personagem apagada e Avery Brooks limitou-se ao que tinha de fazer e a sua personagem soa, assim, amorfa e desinteressante. De referir ainda as aparições honrosas de Fairuza Balk (em mais uma personagem ligeiramente excêntrica) e de Ethan Suplee. Tecnicamente, é um filme com muitos pontos de valor a seu favor, começando logo por um bom trabalho de filmagem e de cinematografia. O recurso ao preto-e-branco para diferenciar todos os flashbacks funcionou na perfeição, ainda que torne, por vezes, o filme sombrio demais e me pareça ter sido utilizado de maneira excessiva. O trabalho de maquilhagem, particularmente de Norton, permite-lhe assumir uma fisionomia e atitude mais jovem, agressiva e fisicamente dura nas cenas de flashback, fazendo um bom contraponto ao retracto de maturidade e consciência que o actor nos traz depois de a sua personagem sair da prisão. Os cenários foram muito bem feitos, particularmente o quarto de Derek, com todos aqueles adereços nazistas. Os efeitos visuais, especiais e de som funcionam bem e a banda sonora, assinada por Anne Dudley, soa bem, embora seja muito semelhante a milhares de outras bandas sonoras de filmes que andam por aí.