Frida (2002)
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 8 de Julho de 2023**Um bom filme biográfico sobre uma das maiores pintoras americanas do século XX.** Não sou um conhecedor profundo da pintura mexicana, mas acho que não estarei a dizer uma heresia se considerar Frida Kahlo a mais internacional e conhecida artista do país, a mais notável das pintoras mexicanas. Ela foi considerada uma surrealista, mas a própria não concordava muito com essa ideia porque não pintava sonhos. De facto, eu concordo com a artista: o que ela nos deixou, em telas poderosas e dramáticas, é o retracto da sua vida, e daquilo que viveu, sentiu e viu. As pinturas de Kahlo podem parecer simples. Ela não era uma pintora académica, saída de uma escola muito cara e elegante. Ela pintava com sentimento, com uma arte que era dela, não era uma cópia de outros, nem uma tentativa de seguir uma escola qualquer, ou um mestre qualquer. Pintava com simplicidade, com emoção e dramatismo, naquilo que nós podemos chamar de “estilo naïf”. Ela foi casada, numa relação muito tempestuosa, com o pintor Diego Rivera, mas, embora seja mais perfeito tecnicamente, ele não é tão bom quanto ela porque lhe falta em emoção e sinceridade o que lhe sobeja de activismo político. De facto, o que eu não gosto na arte de Rivera é a constante apologia às ideias comunistas. Arte e propaganda são coisas diferentes, embora harmonizáveis. O filme, dirigido de forma muito elegante e competente por Julie Taymor, convida-nos a conhecer a vida da artista desde a sua juventude até à sua morte. Começa pouco antes de ela sofrer o fatídico acidente de viação que a irá fragilizar para o resto da vida (algo que o filme não nos diz – e é pena – é que a artista tivera, ainda na infância, poliomielite). O filme concentra-se muito na relação dela com Diego Rivera e, depois, no caso amoroso breve que manteve com o exilado Leon Trotsky. Contudo, e como o filme deixa claro, a artista era bissexual e manteve relacionamentos extraconjugais diversos, com homens e mulheres, à semelhança do seu marido, que manteve uma variedade de amantes. Arrisco-me a dizer que este é um dos trabalho cinematográficos mais sólidos da carreira de Salma Hayek até ao momento. A actriz deu-nos uma interpretação poderosa, intensa e cheia de personalidade. Ao lado dela, Alfred Molina também nos dá um trabalho forte e carismático. Geoffrey Rush, um actor que dificilmente nos decepciona, não foi tão bom no papel do revolucionário russo caído em desgraça. Achei-o pouco convincente, e a relação amorosa com Kahlo soa artificial, mais como um capricho do que como uma atracção poderosa entre personagens. O filme tem ainda cameos de António Banderas, Edward Norton e outros, mas foram mal aproveitados e são acessórios. Tecnicamente, o destaque vai para a cinematografia, trabalhada com muita criatividade: não posso deixar de destacar, por exemplo, as cenas nas ruínas astecas, ou toda aquela cena onde Kahlo, ferida, é tratada no hospital, com uma animação gráfica que remete de modo directo para as pinturas da artista. A inserção das pinturas é muito bem executada, de modo que conseguimos perceber bem a articulação entre a arte de Kahlo e a sua vida pessoal. A banda sonora, com vários temas alusivos à música tradicional mexicana, faz um excelente trabalho, e a recriação das épocas históricas e ambientes também foi feita com grande cuidado e critério.