Mar Adentro (2004)
A vida é um direito, não uma obrigação.
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 4 de Outubro de 2021**Tanta qualidade desperdiçada num filme tão propagandístico…** Acho difícil ficar indiferente a este filme, dirigido por Alejandro Amenábar, um dos melhores e mais respeitados directores espanhóis da actualidade. O filme é fortemente baseado na vida de Ramón Sampedro, um tetraplégico espanhol que defendia o direito à eutanásia e acabou por se suicidar, com apoio de uma amiga. É, portanto, um filme fortemente fracturante, que se odeia ou se adora consoante se defenda, ou se repudie, a eutanásia. Não há como evitar isto: o filme não é apenas uma biografia, não adopta uma postura neutra… o filme defende a perspectiva de Sampedro e o suposto direito a morrer. Pessoalmente, eu sou contra a eutanásia. Radicalmente. Foi um tema debatido no meu pais há pouco tempo, e eu fui um dos muitos que se bateu contra isso, da mesma forma que teria feito se a pena capital fosse discutida, e da mesma forma que já fiz anteriormente, quando o aborto foi debatido. Por regra, eu não aceito que um homem possa ter o direito legal de tirar a vida a outro ser humano, mesmo que ele o peça repetidamente (é o que acontece na eutanásia, pois partimos do princípio que são pessoas que já teriam cometido suicídio se o pudessem fazer pelos seus próprios meios). O direito a morrer não se pode sobrepor ao dever moral de não matar. É a minha opinião. E assim, ver este filme chocou-me pela sua militância a favor da eutanásia. Eu entendo os motivos, mas não posso concordar. Mas isto serve apenas para entender porque eu dei uma nota tão baixa ao filme: não é por o filme ser mau, mas por ser tão militante, como uma peça de propaganda muito cara. A personagem de Bardem diz que não se sente viva por ser apenas capaz de falar e mexer a cabeça, dependendo inteiramente dos outros. Jean-Dominique Bauby, cuja vida foi igualmente levada ao cinema no filme *O Escafandro e a Borboleta*, ficou paralisado de modo que só podia piscar um dos olhos e conseguiu, mesmo assim, escrever um livro que deu origem a um filme! Basta olhar ao redor para vermos muitos outros casos de pessoas, inclusive anónimas, que passam por um sofrimento igual ou pior do que o señor Sampedro, e conseguem ser exemplos de superação. Abdicar da vida é simplesmente atirar a toalha ao chão. Javier Bardem é um excelente actor, e custa-me vê-lo associado a um filme tão propagandístico como este, mas reconheço o trabalho excelente dele e o empenho dele na personagem. Não é só uma questão de maquilhagem, embora isso tenha ajudado… o actor é bom e está em grande forma aqui. Belén Rueda é igualmente uma boa adição ao elenco e dá-nos um dos trabalhos de maior relevância da sua carreira até ao momento. Há outros actores bons, como Clara Segura ou Lola Dueñas, mas eu confesso que não os conheço tão bem assim. Tecnicamente, o filme tem a mão de mestre de Amenábar, começando pela sua cinematografia cuidadosa e excelente trabalho de filmagem. A luz, o uso das cores (o destaque é o azul e os tons de cinza nalgumas cenas mais intimistas), as sombras, tudo serviu para o director criar um ambiente propício à meditação moral, quase filosófica. Os diálogos são importantes, embora o texto de Bardem contenha as peças mais carregadas de propaganda, algumas delas autênticos monólogos. Os cenários e os figurinos são bons, a escolha dos locais de filmagem é excelente, a banda sonora é envolvente… tudo é bastante bom. Só é pena ser propaganda.