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Todos os Homens do Presidente (1976)
A mais devastadora história de detetive do século.
Sinopse
Filipe Manuel Neto
Escrita em 12 de Março de 2024**Cinquenta anos após Watergate, o que aprendemos nós?** O “Caso Watergate” foi há cinquenta anos. Para aqueles que não se lembram ou que não eram nascidos, tudo começou com a invasão dos escritórios do Partido Democrata no Edifício Watergate em Washington D.C. por um grupo de homens, preso em flagrante, e que procurava instalar escutas e copiar documentos. A ligação do grupo à CIA tornou-se óbvia e, à medida que as inquirições se desenvolviam, mais bizarra se tornava a história: afinal, tudo havia fora feito sob ordens vindas de dentro da Casa Branca, de pessoas muito interessadas em manipular as eleições desse ano, em que Richard Nixon ia disputar o seu segundo mandato com o candidato democrata, George McGovern. O filme fala-nos sobre isto, mas pára por aqui, focando-se no contributo dos jornalistas do The Washington Post, que investigaram o assunto e publicaram informação relevante. O filme não diz o que aconteceu depois, mas, como sabemos, Nixon conseguiu a reeleição e, à medida que as inquirições progrediam, viu-se cada vez mais alvo de suspeitas sobre o seu envolvimento no assalto a Watergate. Nixon negou dar explicações, escudando-se nas prerrogativas do cargo, nem quando se soube que havia um sistema de gravação de voz no seu gabinete. Com o Congresso a exigir ouvir essas gravações sob ameaças sérias de destituição, Nixon preferiu demitir-se e, desde então, “Watergate” é o eterno sinónimo de corrupção política ao mais alto nível. Dirigido por Alan Pakula e lançado nos anos seguintes aos acontecimentos, o filme teria, então, dispensado grandes explicações. Os nomes dos envolvidos e os detalhes da história estariam frescos na memória de todos. Porém, passados mais de cinquenta anos, quem se lembra dos detalhes? Como o filme não nos dá explicações, só as pessoas que conhecem o assunto bem ou leram sobre disso vão ver o filme sem necessitar de ir à Internet a cada dez minutos. Mesmo eu, que sou historiador, tive necessidade de ir refrescar a memória. Afora este problema, o filme é bom e é fiel aos acontecimentos e ao que fizeram os dois jornalistas do “Post”. Existe ainda outro problema com este filme, embora seja um problema menor: nesta época, nos anos 70, parece que se exigia a um político uma moralidade à prova de bala e um carácter virtualmente impoluto. E agora? Estamos em 2024 e a democracia, em vez de amadurecer, parece ter apodrecido ao ponto de os cidadãos americanos permitirem que um seu antigo presidente, que está a braços com a justiça e aparentemente envolvido num ataque directo contra o Congresso (que representa todo o povo) se volte a apresentar como candidato sem problemas, pronto para ser levado em ombros para um gabinete que nunca mais devia voltar a pisar. Eu não sou norte-americano, mas recuso-me como europeu a considerar tal assunto uma mera questão interna norte-americana, tendo em conta o papel que os EUA querem manter no cenário internacional, na NATO ou nas UN. Infelizmente, a degradação da democracia acontece também aqui e tem sido bem aproveitada por Putin, pelo presidente Xi e outros inimigos do mundo livre, um mundo de paz e liberdade que os nossos pais se esforçaram para construir juntos e nós estamos a deixar desaparecer. Voltando ao filme… vale a pena ver o desempenho de Dustin Hoffman e Robert Redford em dois papéis que ajudaram muito na evolução das suas carreiras. Eles são dos melhores actores daquele período e fizeram, neste filme, um trabalho colossal. O elenco de apoio é igualmente notável e merece toda a nossa atenção. Gostei particularmente do trabalho de Martin Balsam, Jack Warden e Jason Robards, actores de gabarito que transformaram três papéis sem grande relevância em boas adições à trama geral. E apesar de só termos sabido de maiores detalhes recentemente, Hal Holbrook foi uma excelente escolha para dar vida ao misterioso “Garganta Profunda”, uma das fontes decisivas para ligar Watergate com a Casa Branca. Tecnicamente, é um filme discreto que aposta tudo na reconstrução rigorosa dos cenários, dos ambientes e dos acontecimentos. Há alguns efeitos sonoros muito bons (a associação dos sons das máquinas de escrever ao som de tiros de armas de fogo foi inteligente e bem feita, por exemplo) e os efeitos de luz foram igualmente bem aproveitados. Observe-se o ambiente sombrio e misterioso dos encontros com “Garganta Profunda”, com a luz quase reduzida ao indispensável. O filme venceu merecidamente quatro Óscares (Melhor Som, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direcção de Arte e Melhor Actor Secundário) e foi um dos grandes concorrentes a Melhor Filme.